Guia de Crescimento para o SaaS brasileiro
Conteúdo publicado originalmente em: https://meetime.com.br/blog/saas/
Estamos há quase um ano trilhando o caminho de crescer um SaaS no Brasil com a Meetime, e movemos energia para absorver e aplicar quantidades absurdas de conhecimento / conselhos que obtivemos com livros, blogs gringos e de especialistas desse setor. Algumas coisas deram certo, outras errado. É a vida e não se pode ganhar todas as batalhas, mas acreditamos que estamos no caminho certo para vencer a guerra, e por isso queremos compartilhar com você, que está criando ou crescendo um Software como serviço, nossos aprendizados nesse período (em formato de uma guia para SaaS).
Antes de iniciar vale ressaltar que o que vamos falar aqui deriva de conteúdos bem mais avançados publicados nos Estados Unidos, onde esse mercado já é mais maduro, com pitadas de aprendizados que tivemos internamente e conversando com empresas parceiras desse setor (de qualquer forma, iremos citar todas as fontes relevantes utilizadas).
Começando: SaaS significa Software as a Service, onde o cliente em geral paga uma mensalidade ou anuidade para ter acesso a um software online (não instalado em sua máquina), e a hospedagem, manutenção e atualização do mesmo fica a cargo da empresa fornecedora do software (por isso o paralelo com um serviço). Esse modelo de negócio iniciou em 2001 nos Estados Unidos, mas foi a partir de 2006 que começou a decolar.
Ele contrasta com modelo de licença perpétua, largamente utilizado na venda de software, onde os clientes pagam um único (e alto) valor para “comprarem” o software, e uma taxa de manutenção anual que gira em torno de 15% do valor pago inicialmente. Nesse caso a empresa que comprou o software tem o trabalho de realizar a instalação / hospedagem do mesmo, e o software tem a característica de produto, ao invés de serviço. Podemos assim ressaltar duas grandes diferenças entre o modelo SaaS e licença perpétua:
Diferenças entre SaaS e Softwares com licença perpétua
1) Custo inicial
Comprar uma licença perpétua de um software costuma ser uma verdadeira “facada”, pois a empresa paga um valor alto logo de cara, sem a completa certeza que a tecnologia irá se integrar corretamente com seus processos e força de trabalho. Já em SaaS o custo da ferramenta é diluído ao longo do tempo, sem um desembolso inicial substancioso.
Além disso empresas que trabalham com esse modelo (SaaS) costumam oferecer dois benefícios adicionais: a inexistência de um contrato com tempo mínimo de permanência (o cliente cancela no momento que não vê mais valor na tecnologia) e a opção de realizar um free trial antes de realizar a compra. Essas características impulsionam o crescimento absurdo que se vê nesse mercado.
2) Fluxo de Caixa
Enquanto no modelo de licença perpétua o custo para adquirir o cliente e o retorno que ele trás para a empresa são contabilizados imediatamente, em um SaaS o custo de aquisição de um cliente é contabilizado em um mês (marketing, custo de vendas, hospedagem do software, etc..). Porém, o retorno acontece em partes, à medida que a mensalidade é paga. Isso faz com que o crescimento seja “doloroso” para o fluxo de caixa da empresa, que tem que desembolsar mais do que recebe para continuar adquirindo clientes (motivo pelo qual muitos SaaS’s recorrem a fundos de investimento para financiar seu crescimento nos primeiros anos).
Fonte: leia o artigo escrito por Marc Andreessen, VC na Andreessen Horowitz, para se aprofundar no assunto.
Agora que você tem uma boa visão das peculiaridades de um Software como serviço, vamos aos 2 ingredientes que devem estar presentes ao iniciar uma empresa nesse modelo.
Requisitos para se iniciar um SaaS
1) 24 meses de comprometimento (pessoal e financeiro):
Ganhar tração com um SaaS é difícil. É preciso começar tateando o mercado para sentir qual o cliente ideal para o software, e encontrar o perfil certo pode demorar muito tempo, por isso não espere resultados imediatos. Se você está realmente disposto a começar um software como serviço prepare-se para dedicar 14 horas por dia à empresa (final de semana inclusos), e garanta uma reserva financeira que possa te sustentar pelos primeiros 24 meses. Se não estiver disposto a isso, economize tempo e dinheiro e não percorra esse caminho.
Uma prova disso aconteceu com a Treasy, um SaaS cliente da Meetime, que demorou 11 meses para fechar o primeiro cliente, e depois disso claramente encontrou a veia do mercado e ganhou tração. Não desistir frente as dificuldades do primeiro ano compensou!
2) Domínio da tecnologia
Um dos sócios da empresa deve dominar a tecnologia sobre a qual o software será construído (ainda melhor se mais de um forem engenheiros de software). Terceirizar isso não é uma opção.
Fonte: leia o artigo escrito por Jason Lemkin, expert em SaaS, para se aprofundar no assunto.
O próximo passo é destrinchar o caminho das pedras para um SaaS, e dividimos o mesmo em 4 passos.
O caminho das pedras do SaaS em 4 passos
1) Atingindo o Product Market Fit
Essa deve ser sua obsessão nos 6 primeiros meses da empresa: encontrar um grupo semelhante de pessoas / empresas dispostas a pagar e usar seu produto com frequência. Como regra geral, se você convenceu 10 clientes desconhecidos (parentes, amigos ou amigos de amigos não contam) a comprar seu software, e eles estão usando e retirando valor dele, então você atingiu o PMF e pode passar para a próxima etapa (a inspiração para essa regra veio dessa pergunta do Quora). Outros indicadores que o PMF foi alcançado:
- O software provoca reações espontaneamente favoráveis em potenciais clientes que o conhecem pela primeira vez, e essas reações são acompanhadas de frases como “isso realmente pode me ajudar” e “há tempos busca algo desse tipo”.
- Vendas começam a ocorrer naturalmente, sem muita negociação, pois o produto atinge uma dor latente dos clientes pela qual eles estão dispostos a pagar para sanar.
- As renovações também ocorrem sem esforço. Se todo mês é necessário um novo processo de venda para renovar com clientes, então é provável que o PMF ainda não tenha sido atingido. Se eles usam e pagam novamente por conta própria, bingo!
- Um churn (taxa de cancelamento) baixo, sem muitas ações ativas que estejam mantendo ele assim, demonstra que os clientes enxergam valor no software e querem continuar usando-o.
Nosso post detalhado sobre product market fit descreve cada um dos itens acima, e aprofunda o tema ainda mais!
2) Definindo uma estratégia de crescimento
Agora que você encontrou um nicho de clientes disposto a pagar e usar seu software, precisa conseguir o máximo de clientes com esse perfil. Para isso é necessário desenhar uma estratégia de crescimento, como essas pessoas vão saber que sua empresa existe e encontrar o website.
A regra aqui é não limitar as estratégias de crescimento aquelas mais batidas e conhecidas: geração de conteúdo, AdWords e redes sociais. Essas 3 estratégias podem trazer ótimos resultados, mas existem outros canais de tração a serem levados em consideração, principalmente porque a probabilidade de encontrar formas de crescer ainda não exploradas pela concorrência é grande.
O livro Traction sugere que existem 19 canais de tração, e um SaaS irá utilizar mais de um durante sua jornada para se tornar uma grande empresa. O recomendado é fazer um brainstorming de ações para cada canal, e depois analisar as 5 mais promissoras. Na Meetime analisamos as ideias levando duas variáveis em consideração:
- Grau de stress do canal: nossos concorrentes já usaram / saturaram esse canal?
- Velocidade dos resultados: quanto tempo essa ação leva para ser implementada e trazer resultados?
Ações dentro de canais não estressados e que tragam resultados rapidamente são priorizadas.
Teste as ações e canais priorizados, veja qual apresenta o maior retorno em número de clientes e foque insanamente em otimizar esse canal durante um período. Retire dele o maior número de clientes o possível, mas tenha em mente que o canal que fará seu software chegar a 200 clientes não será o mesmo que fará ele atingir a marca de 1000 clientes.
No Brasil a estratégia de crescimento mais utilizadas por SaaS’s é a seguinte: a empresa faz uma lista de palavras-chave que pessoas buscam no Google e que possuem relação com seu software, e produzem artigos sobre elas para postar em seu Blog. Esses artigos passam por um trabalho de SEO e eventualmente alcançam a primeira página do Google, atraindo visitantes organicamente para o Blog. Além dos posts, as empresas também produzem e-books e outros conteúdos do gênero, que podem ser acessados pelo visitantes depois que algumas informações são preenchidas. Essas informações são analisados pelo time de vendas, e caso o perfil do visitante seja interessante é iniciado um contato de vendas.
Chamada de Inbound Marketing, essa estratégia não apenas atrai mas também educa uma base de potenciais clientes, e se bem realizada, pode se tornar uma máquina de geração de oportunidades de negócio. Porém, não assuma que essa é a única forma de atrair clientes para um SaaS e analise outros canais de tração. E leia nosso artigo sobre o problema atual do Inbound Marketing e como não cometer ele dentro da sua empresa.
Olhando agora para como algumas empresas atingiram um crescimento acima da média, vale a pena analisar os canais usados pelo Slack e Zenefits, SaaS’s americanos de crescimento exponencial.
Slack (750.000 usuários ativos por dia em menos de 2 anos): cresceu utilizando do marketing viral dentro de empresas que começavam a utilizá-lo, junto de efeitos de rede. Depois que a área de uma empresa começa a usar o Slack, acabava puxando as outras para dentro do software, já que notícias e documentos deixaram de circular pelo e-mail e começaram a ser enviados por ela (quem não estivesse no Slack estava por fora, e ninguém quer isso). Depois de 2 mil mensagens trocadas os usuários estavam fisgados pela ferramenta.
Zenefits (US$ 20 milhões em renda recorrente anual em menos de 2 anos): seu software é completamente gratuito para as empresas, e o Zenefits ganha dinheiro apenas se seus clientes decidem gerenciar os serviços de RH (apólices de seguro e outros benefícios) através da ferramenta, cobrando uma porcentagem pelo negócio gerado das provedoras de benefícios. Apesar de ser gratuito, a empresa teve que ultrapassar uma barreira cultural, já que a área de recursos humanos fazia seu gerenciamento da mesma maneira havia décadas. Para vencer esse obstáculo eles levantaram quantidades absurdas de capital e contrataram representantes que tinham como objetivo convencer empresas a darem uma chance para o software. Exemplo de um canal de tração inusitado, combinado com um modelo de negócio free, que deu muito certo!
O SaaS brasileiro RD Station, desenvolvido pela empresa Resultado Digitais, é o maior exemplo nacional de como usar a geração de conteúdo como canal de tração (eles atingiram o impressionante número de 1500 clientes em menos de três anos — gráfico abaixo).
3) Controlando as métricas
Você pode começar a coletar alguns dados antes, mas não seja paranoico por métricas antes de atingir o PMF e desenhar uma estratégia de crescimento que funcione. No início é importante adquirir trials e clientes de diversos tipos para analisar quem mais adere ao software, e por isso o churn tende a ser alto nos primeiros meses (don’t worry). O mesmo vale na hora de definir uma estratégia de crescimento: será necessário investir em diversos canais para analisar quais performam melhor, aumentando custo de aquisição de clientes.
O momento de ser obcecado pelas métricas vem depois dos passos iniciais, não antes: não restrinja experimentação para manter um conjunto de indicadores dentro do esperado no início da empresa.
Existem diversas métricas que indicam a “saúde” de um SaaS e devem ser acompanhadas com o intuito de ressaltar de forma analítica em que pontos a empresa está acertando ou pecando. Vamos a seguir comentar as três métricas-chave para um SaaS:
CAC (CUSTO DE AQUISIÇÃO DE CLIENTE)
CAC é o custo necessário para que a empresa adquira um novo cliente. Para medir esse valor mensalmente, reúna todos os custos de marketing e vendas dentro do período, e divida pelo número de novos clientes adquiridos dentro do mesmo período.
Dependendo da buyer persona e nicho de clientes alvo, seu CAC pode ser baixo ou chegar a valores realmente altos como R$ 8 mil / cliente. É importante manter um CAC baixo para permitir crescimento rápido e lucratividade ao negócio, porém o que é baixo depende de cada negócio e da sua relação com o LTV.
LTV (VALOR MÉDIO DE UM CLIENTE)
LTV é a receita gerada por um cliente típico durante seu “ciclo de vida” junto a empresa. Em um SaaS que cobra uma mensalidade, ele é calculado utilizando a taxa de cancelamento, métrica que veremos em seguida. Como exemplo, digamos que uma empresa tem uma taxa de cancelamento de 5% ao mês. Isso é o mesmo que dizer que um cliente fica em média 20 meses (1/5%) utilizando o software da empresa, e supondo uma mensalidade R$ 500 o LTV de um cliente típico da empresa é estimado em R$ 10 mil.
E é a relação entre CAC e LTV que determina se um SaaS irá crescer de forma saudável e ser lucrativo. A figura abaixo, retirada de um ótimo post sobre CAC do blog For Entrepreneurs, mostra os fatores que influenciam CAC e LTV, e fica evidente que o objetivo da empresa deve ser conseguir um LTV que supere o custo de aquisição de um cliente típico. Como regra geral, um SaaS no caminho para se tornar uma grande empresa deve:
- Recuperar o CAC em menos de 12 meses.
- Ter um LTV que seja pelo menos 3 vezes maior que o CAC.
Isso faz todo sentido: se o LTV for igual ao CAC, você pode estar adquirindo clientes, porém não terá retorno financeiro dessa operação. Um LTV 3 vezes maior que o CAC mostra que você tem uma empresa sólida, mas sua meta pode ser ainda mais ambiciosa, mirando algo por volta de 5 a 6 vezes.
Churn (Taxa de Cancelamento)
Churn é a taxa de cancelamento de assinaturas que sua empresa está sofrendo. Ele denota a capacidade do negócio reter clientes e é o fator mais importante quando projetado o potencial e crescimento de longo prazo do SaaS. Existem diversas formas de calcular o churn mensal , mas de maneira simples basta dividir o número de clientes perdidos no mês pelo número de clientes no início dele.
Por exemplo: se em fevereiro 3 clientes cancelaram a assinatura de um SaaS, e haviam 100 clientes no início do mês, o churn daquele período foi de 3%. Tenha como objetivo controlar insanamente essa variável para manter ela dentro da faixa de 0,42 à 0,58 % ao mês (o churn mensal de 3% em nosso exemplo é absurdamente alto). Publicamos um artigo completo sobre churn para você se aprofundar no assunto.
Fonte: o artigo sobre métricas para SaaS publicado por David Skok é nosso guia absoluto nesse assunto. Também consultamos com frequência o livro Lean Analytics.
Como o tema de Churn é muito importante convidamos você a baixar a planilha para retenção de clientes, ao final do post.
4) Buscando investimento e escalando
Um bom objetivo / benchmarking ao se iniciar um SaaS é atingir R$ 100 M de renda recorrente anual entre 7 e 10 anos de operação. Com exceção de outliers como os já citados Slack e Zenefits, os softwares como serviço considerados muito bem sucedidos caíram nessa regra (HubSpot, Sales Force). Então mire as estrelas na hora de traçar metas de longo prazo e desafie-se a atingir um resultado semelhante.
Para escalar o negócio nessa velocidade será necessário ir para a rua em busca de Venture Capital. Além de capital, esse tipo de investidor possui muita bagagem dentro do setor e pode ajudar a empresa a se desviar de armadilhas comuns do mercado. E é necessário abrir a empresa para investidores externos para crescer?
Bom, para crescer não. Para crescer com muita velocidade sim. Como o mercado de SaaS’s é o que os americanos chamam de “winner takes it all” (a empresa dominante irá ficar com a glória e para as demais irão restar migalhas), ganhar tração e garantir um market share significativo desde o início é fundamental para ganhar o jogo.
Supondo que sua empresa irá precisar buscar investimento para financiar o crescimento, a primeira dica é: faça isso na hora certa, que é depois de ter passado pelas três fases anteriores. Por favor não busque investidores com uma ideia de SaaS e sem nenhum tipo de validação ou uma carteira mínima de clientes.
Observando o ponto acima, a segunda sugestão é “skip a round”. No caminho rumo a R$ 100 M em ARR (renda recorrente anual), sua empresa irá precisar de no mínimo 3 rodadas de investimento com VC’s, o que irá diluir agressivamente o equity dos fundadores. Se além dessas rodadas você optou por sustentar os 2 -3 primeiros anos de operação por meio de investimento anjo e / ou entrando em um processo de aceleração, vai perceber que:
- Pode ter problemas para levantar rodadas futuras com fundos de investimento, que preferem investir em empresas onde os fundadores continuam com um share considerável da empresa no momento de um Series B.
- No caso de conseguir as demais rodadas de investimento, seu equity pode ser reduzido a menos de 4%, que dependendo do valuation final da empresa pode não ser uma recompensa à altura do esforço e sacrifício realizado.
Um fundo de investimento brasileiro especializado em SaaS é o DGF Investimentos. A Monashees é outro fundo que investiu em SaaS’s como Conta Azul e Runrun.it. Entrar em contato e agendar uma reunião com esses fundos não é uma tarefa das mais fáceis, e a melhor forma de fazê-lo é ser apresentado a eles por outro empreendedor que os conhece. VC’s estão sempre dispostos a conhecer ótimos empreendedores, afinal deal flow é um ingrediente fundamental para o sucesso dos fundos. Utilize sua rede de contatos para chegar até esse tipo de investidor.
Nossa dica anterior sobre VC foi “skip a round”. A última mensagem é “DO NOT SKIP A PHASE”. Tenha certeza de ter passado por cada umas das 3 primeiras fases descritas antes de rumar para a quarta, pois a falta de qualquer uma significa construir um castelo sobre um pântano: ele pode parecer grande, mas cedo ou tarde irá afundar. E nós queremos que seu castelo seja duradouro e altamente lucrativo!