Aplicando a Teoria das Restrições a Startups
“A Meta” de Goldratt no Mundo Real
Nadécada de 80, uma empresa de Israel desenvolveu um software para acelerar o agendamento/a organização de ambientes de produção (pense em plantas de indústrias).
Eli Goldratt, um dos fundadores da empresa, percebeu que o software raramente atingia o potencial completo, graças a velhos hábitos dos funcionários e gerentes, no processo de configuração e instalação.
A promessa e a entrega da solução eram boas, a barreira se mostrava nos paradigmas existentes na cultura organizacional sobre como uma planta deve ser operada/planejada. Frustrado, Goldratt decidiu escrever A Meta, preparando o terreno da Teoria das Restrições (TOC — Theory of Constraints).
Tal teoria afirma que qualquer sistema com um objetivo tem apenas um limite (o gargalo) e se preocupar com qualquer outra coisa é desperdício de recursos.
Um livro “antigo” de administração e o que ele traz de novidade
O livro A Meta em si não é novidade. Com mais de 30 anos, já está no meio da Administração tempo o suficiente para ter entrado como leitura obrigatória de muitas instituições de ensino. Existem filme da obra, versão narrada, livros que continuam a história e muito mais. O verdadeiro desafio não é conhecer a teoria das restrições, mas em aplicá-la.
É enorme a quantidade de aprendizados incomuns que você pode ter sobre sua própria organização ao observá-la com as lentes da teoria das restrições. Mudar os processos e a forma de trabalhar em si que é o desafio. Afinal de contas, implantar mudanças em um contexto no qual você tem princípios incomuns e que desafiam o status quo para aplicar é difícil, por mais que estejam certos.
É o equivalente a descobrir que a Terra gira em torno do Sol durante a Idade Média. Uma verdade simples, encontrada através de observação, mas que nos levou a revisar muitos princípios e instituições, recebendo forte oposição do poder dominante.
Por exemplo, as ideias do livro A Meta desafiaram instituições tão estabelecidas quanto o modelo de contabilidade de custos, um dos mais utilizado no Ocidente. Eventualmente, o próprio Goldratt foi explícito: “Contabilidade de custos é o inimigo numero 1 da produtividade pública”.
“Quando a contabilidade de custos foi desenvolvida na década de 1890, trabalho era a maior fração de custo do produto e poderia ser considerado um custo variável. Trabalhadores normalmente não sabiam quantas horas eles iriam trabalhar em uma semana quando eles batiam ponto na segunda de manha porque os sistemas de gerência de tempo eram rudimentares. Contadores de custos, portanto, concentraram no qual eficientemente gerentes usavam o trabalho, uma vez que era o recurso mais importante. Hoje, contudo, os trabalhadores que vêm trabalhar na segunda quase sempre trabalham 40 horas ou mais; o custo deles é fixo ao invés de variável. Contudo, hoje, muitos gerentes ainda são avaliados em termos de eficiência de trabalho e muitas “reduções”, “correções” e outras campanhas de redução de força de trabalho são baseadas nisso.
Goldratt argumenta que, sob determinadas condições, eficiências de trabalho levam a decisões que causam danos ao invés de ajudar as organizações. Throughput accounting, portanto, remove da prática de gerência a ênfase dos padrões de contabilidade de custo em eficiências no geral e na eficiências de trabalho, em particular. Muitos contadores financeiros e de custo concordam com as críticas de Goldratt, mas eles não chegaram a um acordo sobre um substituto e há uma inércia enrome na base instalada de pessoas treinadas para trabalhar com as práticas existentes.”
Esse é o passo difícil — executar o que está certo apesar do status quo. A teoria muita gente já conhece, mas como utilizá-la para encontrar o melhor caminho no dia a dia e garantir que o time esteja perseguindo ele?
No mundo das startups, como se encaixa a Teoria das Restrições?
No caso de uma startup, conforme ela cresce, um time cada vez maior significa equipes diferentes, trabalhando em projetos distintos. Isso significa múltiplas oportunidades e possibilidades de direção para seguir — o mais difícil continua sendo dizer não e focar no principal.
Novamente, esse não é um ponto novo. Muitos livros de negócio já falam da importância do foco e dos perigos de se distrair conforme seu time cresce.
A questão é: focar em quê?
Quando a startup ainda é pequena, em busca do product-market Fit, o foco é claro: conseguir tração para justificar o modelo de negócio. Não é uma tarefa fácil, há muitos caminhos para fazer isso, mas ainda assim o desafio é delineado o suficiente que você sabe onde está entrando.
Quando a startup entra na fase de escala, conseguindo tração suficiente para justificar seu modelo de negócio, a grande missão do time muda de figura: de validar um modelo passa a ser construir um negócio em torno da oportunidade que se comprovou.
São monstros completamente diferentes.
Buscar formas de reforçar a missão e a cultura da empresa é importante para manter um alinhamento de longo prazo sobre o destino final (missão) e sobre as regras para caminhar até lá (cultura). Contudo, nenhum dos dois frameworks ajuda a definir no que focar a cada momento.
Do mesmo jeito que há várias formas de chegar ao product market fit, há varias formas de se realizar a visão da empresa.
No curto e médio prazo, cultura e missão não geram alinhamento o suficiente para garantir uma execução saudável.
Aqui entra a Teoria das Restrições. Com uma ideia bem simples, a questão é sempre: qual é o maior obstáculo hoje para atingirmos nosso objetivo?
O passo a passo da Teoria das Restrições
O processo é bem simples, mas gera modos de ação não-intuitivos que trazem resultados. Alguns conceitos-base que precisamos esclarecer:
Throughtput. A taxa pela qual o sistema gera dinheiro através de vendas.
Inventário. Todo o dinheiro que o sistema investiu em adquirir coisas com as quais se pretende vender.
Despesa operacional. Todo o dinheiro que o sistema gasta a fim de transformar inventário em throughput.
Esses conceitos se amarram assim: “Throughtput é o dinheiro entrando. Inventário é o dinheiro dentro do sistema no momento. E despesa operacional é o dinheiro que temos que gastar para fazer o throughput acontecer”.
1. Identifique o gargalo do sistema
Ainda que startups não se tratem de linhas de produção tradicional, é possível pensar em um fluxo de criação de valor para qualquer negócio. Quanto mais amplo esteja seu fluxo de criação de valor, mais acurado será sua análise.
Por exemplo, um erro comum é se restringir a olhar apenas o funil de clientes. Na realidade, você tem que englobar todas as áreas da empresa, porque o gargalo do sistema pode estar em outro lugar.
Por exemplo, se seu time de Tech Ops não conseguiu montar uma arquitetura para manter o SaaS que você vende de pé, não adianta colocar mais leads no topo do funil de marketing porque o throughput não vai aumentar (o sistema está caindo, clientes saindo e faturamento estagnado).
2. Decida como explorar o gargalo do sistema
O que você vai fazer a respeito do gargalo?
Aqui é crucial evitar sinalização e agir no que realmente vai causar impacto no problema destacado, não o que parece uma ideia “legal”.
Pode ser que a resposta seja adquirir mais recursos para aumentar a capacidade do sistema no gargalo, mas frequentemente é possível fazer isso mudando apenas processos.
No livro A Meta, ao se descobrir que determinado tipo de máquina era o gargalo, era difícil conseguir comprar uma nova. Afinal, entre conseguir recursos, comprar, instalar e ter a máquina operacional, a fábrica já teria quebrado (estava com problemas financeiros). Foi preciso pensar o que poderia ser feito com o que se tinha em mãos.
Algumas ideias que surgiram:
Realocar mão de obra de outros setores para fazer a máquina operar em 3 turnos
Reativar uma unidade “velha” da máquina que estava no depósito
Renegociar horário de lanche entre funcionários para a máquina nunca parar.
Podem parecer medidas pequenas e até “meio idiotas” pela importância do problema, mas intuitivamente o que pode estar faltando a maioria das pessoas é o impacto de pequenas melhorias no gargalo.
Basta pensar no exemplo do carro. Se o gargalo na linha de produção de um carro de R$ 50.000 é a máquina que cria os volantes, que custam por volta de R$ 100 reais:
100/50000 = 0,2% do valor final é uma quantia irrisória, certo? Nossa fábrica produz 1 volante por hora. Então, ao que parece, 1 hora de pausa da máquina vai nos custar 100 reais.
Aqui está o grande erro: pensar localmente.
Se a produção de volantes é o gargalo, a fábrica inteira está “esperando” o volante para prosseguir com a criação do carro. Não importa a capacidade instalada de produção que eu tenho nos próximos passos da linha de produção se está “todo mundo esperando o volante para prosseguir”.
Nesse cenário, a perda de faturamento de uma hora parada não é 100, mas 50 mil reais.
3. Subordinar todo o resto à decisão acima
A fase de subordinação é importante, pois destaca o quão “a sério” você está levando a melhoria do sistema com o conhecimento que você levantou sobre como melhorá-lo.
No caso anterior, alguns processo de chão de fábrica foram alterados. Por exemplo, o processo de inspeção de qualidade das peças processadas pelo setor correspondentes eram feitos depois dela serem processadas pela máquina-gargalo. Isso acarretava perdas que conseguiram ser evitadas levando o processo de revisão para antes da máquina-gargalo, garantindo que ela estava processando apenas peças válidas.
Novamente, pode parecer uma mudança pequena, mas lembre-se do exemplo anterior: qualquer melhoria no gargalo impacta diretamente na capacidade de gerar faturamento e o impacto das melhorias é desproporcional em relação a nossa intuição.
4. Eleve o gargalo do sistema
Conforme o gargalo é tratado, pode ser que ele deixe de ser o gargalo em si. O que acontece depois, uma busca infinita pelo próximo gargalo? Não. Um processo que está completamente balanceado está muito próximo de quebrar, porque fica refém de “gargalos móveis”.
Imagine uma planta completamente balanceada. Em determinado dia, a máquina D por algum motivo opera a 95% da capacidade que era esperada dela. O que acontece? Ela causa um efeito parecido ao de um gargalo naquela região — antes dela produtos a serem processados começam a empilhar, referentes aos 5% que não estão passando naquele dia — afinal, a planta só flui sem problemas se tudo estiver alinhado, certo?
No dia seguinte, a máquina volta a operar a 100%, mas a máquina J agora está operando a 102%. Daí ela começa a processar as partes dela um pouco rápido demais e faz a máquina K parecer um gargalo. Daí em diante.
Se um processo está perfeitamente balanceado, as flutuações estatísticas nas capacidades de cada etapa criam gargalos ilusórios.
O verdadeiro objetivo deve ser balancear o processo para o throughput ideal.
Você quer garantir que esteja produzindo tanto quanto consegue dar vazão (empresa → mercado). Também quer garantir que seja ágil o suficiente para que consiga responder a mudanças nas demandas de mercado de acordo para relancear o processo, se a demanda aumentar ou diminuir.
O que nos traz a outra verdade inconveniente da Teoria das Restrições: o processo mais lucrativo possível não usa todos os recursos disponíveis 100% do tempo. Verdade inconveniente porque deixa bastantes gestores (ruins) nervosos por ter membros da equipe que não estão atolados de trabalho o tempo todo.
Porque, novamente, as pessoas costumam pensar localmente — como maximizar esse recurso que colocaram a minha disposição? — e não como melhor usar o recurso para maximizar a lucratividade da empresa.
5. Se no passo anterior um gargalo foi quebrado, voltei para o passo 1.
Mensagem central da Teoria das Restrições:
Sua empresa (ou processo) tem um e apenas um gargalo e qualquer melhoria que não é no gargalo é ilusória.
No livro, após identificar qual era o real gargalo da planta da fábrica, ficou claro que adquirir um robô superprodutivo de última geração foi um grande erro.
O que aconteceu foi o seguinte: o robô veio para melhorar a produtividade do setor A, que não era o gargalo no momento, mas alimentava o setor B com peças prontas para produzir a próxima fase do produto. A superprodutividade do robô aumentou a produção de peças no setor A, que começaram a empilhar num volume cada vez maior na frente do setor B, porque este não tinha capacidade para processar aquele throughput.
Em um paralelo com a produção de software, não há criação de inventário físico. O que costuma acontecer é queda na produtividade do time-gargalo, já que tem que lidar com mais pedidos, interrupções e estresse.
Aumentar a produtividade fora do gargalo além de não aumentar a vazão de produção (throughput), também pode diminui-la.
No exemplo do livro, o robô parecia uma excelente compra e, se você olhasse a produtividade/custo unitário de produção do setor A, enxergaria números excelentes e um ótimo retorno sobre o investimento. Mas uma vez que a melhoria aconteceu fora do gargalo, ela foi ilusória: a empresa como um todo não conseguir aumentar a vazão da produção (vender mais), investiu dinheiro em maquinário desnecessário e ainda aumentou a necessidade de capital de giro para adquirir mais matéria-prima e manter o robô “ocupado” (justificar a própria existência), perdendo dinheiro com inventário acumulado de modo desnecessário.
O erro parece bem óbvio olhando em retrospectiva. O problema?
É difícil ser a pessoa que aperta o botão vermelho naquela reunião e diz “esse robô vai ser uma má ideia!”. Porque, no papel e olhando localmente, parece um ótimo investimento. Daí a importância holística de executar melhoria no gargalo, não ideias que parecem legais.
Dando até um passo mais a fundo: é muito fácil dizer sim a ideias. Tudo parece muito bom e é fácil de concordar quando alguém chega para você com uma boa ideia.
Verdadeiro conhecimento se traduz quando você consegue dizer por que aquela ideia não é um bom projeto para ser perseguido ou por que pode ser ignorado naquele momento. Em um mundo com infinitas boas opções, verdadeiro conhecimento que agrega valor e gera mudanças de impacto é aquele que nos diz sobre o que não fazer.
Desafios para Aplicar TOC a Startups
Como trazer a teoria das restrições para o crescimento de startups? Existem algumas dificuldades inerentes assim como conceituais de aplicar o framework desenvolvido para processos & negócios “velha-guarda” a algum tão transformador quanto startups de base tecnológica.
1. Startups operam em regimes não-lineares
Toda a premissa por trás de uma startup dando certo é que não se imaginava que aquilo fosse possível antes (caso contrário, aquele negócio já teria sido criado). Nesse ambiente de descobrimento, os novos negócios se beneficiam de dinâmicas não-lineares sobre as quais não se tem muito controle.
Não se trata de uma fábrica onde se eu dobrar o número de máquinas no geral, irei dobrar meu faturamento (caso o mercado suporte). Dobrar o tamanho da equipe pode ter não mudar nada como também 10x o faturamento.
Essa não-linearidade cria uma camada de complexidade nas buscas por gargalos.
2. Áreas diferentes se transformam a velocidades diferentes
Crescer um time de vendas é diferente de crescer um time de produto. Que é diferente de montar um novo time de tecnologia. Desde recrutamento de talento, até selecionar e treinar a liderança com a cultura da empresa, até fazer o time trabalhar da melhor maneira possível com as outras equipes… Bem, isso é mais difícil que parece.
Tradicionalmente, a estrutura das empresas muda numa timeline de vários anos. Startups em fase de escala mudam radicalmente em meses, até mesmo em semanas.
Nesse contexto, pode fazer sentido atacar áreas que não são gargalo hoje mas se sabe que vão ser necessárias no futuro. Falando em futuro, isso nos traz ao próximo ponto…
3. Startups servem a 2 deuses diferentes
Toda a premissa da Teoria das Restrições é que o processo esteja balanceado para maximizar o throughput: que seja possível dar vazão ao máximo de produção que o mercado consegue absorver.
No caso de uma startup, o verdadeiro objetivo não é servir ao mercado, mas alcançar a visão do negócio, que inclui servir ao mercado no estado futuro. Mas como nenhuma startup é um instituto de pesquisa, precisa faturar bem para fazer a roda girar e ter um negócio que chegue lá na frente.
Assim, startups servem a dois deuses: o mercado e a visão.
Há uma constante tensão entre executar o que vai gerar mais resultado agora e o que vai deixar o negócio mais perto da visão.
No caso da aplicação da TOC, isso se manifesta especialmente na fase 3 — nem tudo é submetido ao gargalo com o mesmo rigor que se faz em negócios tradicionais. Afinal, pode ser que determinada iniciativa não vai aliviar o gargalo do negócio do ponto de vista de “otimizar vazão de produção para o mercado”, mas pode ser importante para alcançar a visão.
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Recomendações de Leitura
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https://www.livrariacultura.com.br/p/livros/administracao/producao/a-meta-42665242